Rebentos 2022 – Sessão 5 | 14 outubro

Fruto do Vosso Ventre, 2021

Realização, Argumento, Imagem e Montagem FÁBIO SILVA Assistente de realização JOÃO PEDRO SOARES Interpretação CELESTINA SILVA, FÁBIO SILVA Mistura de som ANDRÉ DE ALMEIDA

A partir da casa familiar, das filmagens caseiras do pai até então desconhecidas, das fotografias dos irmãos que nunca conheceu ou dos planos do bairro onde os pais em tempos viveram, Fruto do Vosso Ventre, de Fábio Silva, desenvolve-se como uma narrativa arqueológica que procura dar significado — ou sentido — ao vazio deixado pela figura paternal. Poder-se-ia dizer que o filme é uma espécie de Carta ao Pai, um confronto não apenas com essa mesma figura, tão vaga e pesada quanto distante e dolorosa, mas também e acima de tudo com a “fuga, geralmente para dentro” e com a “pressão geral provocada pelo medo, pela fraqueza e pelo desespero” (Kafka) que recai sobre a figura do filho. Mas se, por um lado, o filho procura compreender essa ausência mergulhando no passado, abrindo gavetas, vendo cassetes antigas e desabafando com a mãe, por outro, ele acaba lentamente por preenchê-la, tornando-a, por isso mesmo, ainda mais evidente através da sobreposição das filmagens caseiras do pai aos planos do filme, nomeadamente aquela com que fecha o filme e que, nas palavras de Fábio, é “hoje impossível, mas que toda a vida desejei”.

João Ayton

Meio Ano-Luz, 2021

Realização, Argumento e Produção LEONARDO MOURAMATEUS Elenco MAURO SOARES, LEONARDO MOURA-MATEUS, CLARA JOST, FILIPA MATTA Imagem JOÃO LEÃO Som direto MARCELO TAVARES Música ROBERTO BORGES Efeitos Sonoros FERNANDO PEREIRA LOPES Edição de som GUILHERME FARKAS Mistura de som ANTÓNIO PORÉM PIRES Montagem IAN CAPILLÉ Cor ANDREIA BERTINI Direção de Produção RAQUEL ROLIM BATISTA

Num estilo documental que relembra o cinéma verité dos anos 60, Half a Light-Year chega-nos pelos olhos do brasileiro Leonardo Mouramateus. Em português, Meio Ano-Luz, e será esta curta-metragem uma viagem por metade da distância que a luz percorreria num ano? É inegável a relevância dada ao espaço e ao tempo nestes 18 minutos de filme. Em relação ao primeiro, há uma ligação muito próxima à cidade, é uma Lisboa filmada com carinho e com verdade. Filmam-se os seus recantos e as pessoas que os preenchem no seu dia-a-dia, quase como se estivéssemos perante uma sinfonia da cidade ou uma carta de amor à Lisboa contemporânea. Quanto ao tempo, este é utilizado como instrumento da narrativa. A dada altura no filme, as personagens autointitulam-se “viajantes do tempo” e parece que a câmara aprende a viajar com elas, por vezes para lugares e tempos diferentes daqueles que elas nos falam. O que vemos nem sempre é o que ouvimos. Um homem, sentado num degrau numa esquina, desenha no seu caderno, enquanto ouvimos um casal falar sobre uma carteira perdida. No final do filme, percebemos que visualmente a história que acabámos de ouvir começa ali, naquele plano da carteira perdida de que já tínhamos ouvido falar. Há uma vertente quase de fantasia, engano e ficcionalização presentes no filme, apesar do seu género documental. As vozes que ouvimos levam-nos para diferentes lugares, e os desenhos que vemos confundem-se com esses lugares e com essas histórias. Fazer cinema é contar histórias e as personagens deste filme fazem isso muito bem.

Inês Moreira

Corpseland, 2020

Realização, Argumento, Animação, Montagem, Som e Produção YANG LIU

Uma respiração ofegante é o que ouvimos quando o filme inicia, todavia essa exaustão não abandona o espectador até ao final do filme. Corpseland monta um cenário distópico, onde coisas estranhas aconte- cem a um ritmo alucinante. O grafite é a primeira técnica utilizada por Yang Liu para animar este cenário feito de partes de cadáveres, como o próprio título indica, e por ser uma técnica tão crua ajuda a criar uma sensação de angústia e sofri- mento, que vão acompanhar a exaustão sentida inicialmente. E mesmo que no final da primeira parte, a cor apareça e a técnica se aproxime de um desenho mais realista, a sensação de angústia não desaparece. É até mais assustador porque nos parece mais próximo e mais real. Apesar de ser uma animação distópica, Corpseland acaba por refletir os medos da nossa sociedade. As partes do corpo que marcam o campo visual do filme acabam por chamar a atenção para a desumanização desta representação, transformando-se no seu tema chave. Os gestos daqueles a quem podemos chamar personagens são robóticos, e o seu andar relembra o andar de um zombie. O filme carrega ainda uma metáfora religiosa, talvez como forma de condenar a maneira como esta religião sobrevive nos dias de hoje. Associamos muitas vezes àqueles que seguem cegamente a fé, uma sensação de brainwash. Os motivos religiosos, como cruzes, remetem para os perigos daqueles que seguem algo sem questionamento. Este cenário de Corpseland revela-se recheado de conotações políticas e sociais que terminam no lugar que é a sala de cinema. Poderá esta ser uma chamada de atenção para nós mesmos enquanto espectadores? Se olharmos do ecrã para o espectador, nós somos o espectador, nós somos a sociedade, nós somos talvez quem perpetua estas ideias distorcidas que, segundo Yang Liu, um dia transformarão a distopia em realidade.

Inês Moreira

Naughty Spot, 2021

Realização JEAN COSTA Argumento JEAN COSTA Produção MYRIAM MARTOU/ COLOMBA SANSONETTI Fotografia ALEXANDRA BLANQUAT Montagem TOMAS CALI Elenco CHRISTINA RUSPINI, JEAN COSTA

Na ilha de Córsega encontram-se memórias de suor e sexo em esconderijos por entre os bosques e pontões à beira-mar. Já quase abandonados, relembram um tempo em que o sexo não era gratuito, pornográfico e feito por encomenda através de uma aplicação. Depois de entrar em contacto com um homem mais velho, Tonio é guiado por estes locais e relembrado dos encontros de outros tempos, em que os homens se encontravam deixando mensagens em cabines telefónicas e aventurando-se por tuneis durante a noite. Não é só o amor que deixou o lugar para o sexo, é também o sexo que deixou de ser um momento de carinho e passou a ser um ato de brutalidade e desrespeito, previsível e mecânico. E para um brasileiro negro emigrante a viver França, a procura por um parceiro tornou-se um momento de violência, em que se submeteu ao mercado digital do sexo, para ser rotulado e insultado como produto, aos olhos de outros que nada desejam que não seja carnal. “Eu não beijo.”, diz o homem que Tonio conhece através da aplicação, colocando-se de joelhos e abrindo-lhe a breguilha. Mas Tonio não quer nada disto e aventura-se à beira-mar por bosques encantados em busca de outros tempos. Tempos, conta-lhe “O Oráculo”, em que aqueles bosques se povoavam com orgias e o amor andava de mãos dadas com o sexo.

Nuno Cintra

A Vida É Coisa Que Segue, 2019

Realização e Argumento BRUNA SCHELB CORRÊA Produção BRUNA SCHELB CORRÊA, LUIS COCCHINO E BÁRBARA SILVA Diretor de Fotografia LUIS BOCCHINO, ABC Interpretação JPEDRO VIANNA, ROMILDA DIAS, ROBERTA RODRIGUES, EULER LUZ, SUELI MORAIS, MARCO ANDRADE, CARLOS SÉRGIO BITTENCOURT, LUIZ SCHELB

A Vida é Coisa que Segue, de Bruna Schelb Corrêa, é um filme sobre a vida e sobre a morte, das possíveis relações que os vivos podem ter com a morte e, também, com os mortos. Como (re)lembrar os nossos mortos? Como seguir com a vida sem aqueles e aquelas que a preencheram? Como não olhar para deter- minados objetos sem que eles nos não evoquem quem ficou para trás? Mas, também, como não olhar para o horizonte e não vislumbrar uma pessoa que julgámos morta? É destas relações e imagens de que trata o filme, um filme que é, talvez por isso mesmo, um retrato de um “ritual de passagem”, da passagem do luto à aceitação de que as coisas seguem com e apesar dos que ficam para trás.

João Ayton

Ficha Técnica

Direção do Ciclo Nuno Cintra

Programação Nuno Cintra, Inês Moreira, Carolina Pinto, João Reis

Produção Claraboia

Design Gráfico Ivânia Pessoa

Comunicação Joana Enes e José João Batista

Apoio Técnico Rodrigo Domingos

Folhas de Sala Inês Moreira e João Ayton